sexta-feira, 6 de março de 2009

A culpa é do Papel

Papel
papel com saber a fel, ou a mel,
timbrado, manteiga, ou vegetal,
com sabor a sal… ai papel, papel, mortalha ou de jornal
do tamanho de Portugal…
estás tão mal…


Sabes uma coisa que eu descobri? O quê, não me digas que descobriste que a terra é redonda? Ahahah, nada disso, mas já que o referes nunca me tinha apercebido desse facto… a sério, é mesmo redonda?!

Ontem estava eu na casa de banho, a pensar na vida, de papel na mão… e eis que coloco os meus olhos naquele singelo e macio papelinho, e de súbito apercebo-me de tudo o que está mal no mundo…que triste destino têm as coisas suaves, macias e singelas nas mãos de um homem. Sim, até aí tudo bem…mas aonde queres chegar?

O papel é a coisa mais triste que há no mundo, é um objecto desgraçado desde a nascença, muito desgostoso, muito usado e cansado. Mas que conversa é essa?
Ele é a desgraça dos homens. Mas estás a falar do papel dinheiro ou papel, papel?
Ouve lá, sem bilhete não entras no cinema, e o bilhete é feito do quê? De papel! estás a ver? Sim, mas daí até ser a desgraça do homem, ainda vai muito.

Sem papel de condução és multado, e recebes em troca um papel verdinho em forma de multa. Ora, mas não faz sentido o que estás a dizer, então o papel não teve culpa, o culpado foste tu… ora essa.

O PAPEL persegue-me desde que nasci, assim que me tiraram da barriga da minha mãe, mal me deixaram respirar e já a enfermeira estava a pendurar-me num tornozelo, uma etiqueta com os meus dados, ainda assim não deixasse de ser gente, ou me confundissem com outro qualquer desgraçado acabado de nascer, meio zarolho, mais morto que vivo, já andava com um papel atado a um pé.

Quem não se lembra da cédula e do registo, ai o registo, belos anos oitenta, quando eclodiram em força as novelas brasileiras e de repente, deixamos de ser todos Manuel, António, José, Joaquim, Maria, Alzira, Antónia… e começamos a ter nomes maravilhosos como Roberto, Dércio ,Ruben, Marcos, Patrícia, Gabriela, etc.… nomes novos em papel velho…

Parece-me que os únicos anos em que vivemos descansados desse infernal ser, que se mascara de várias cores e formas como o Demo, foram os que passámos até entrar no infantário; até aí éramos basicamente uma máquina devoradora de leite e batatas feitas em puré, sopas e afins, talvez por isso agora custe tanto comer sopa, se tivessem dado bifes a um gajo agora só se comia sopa ahahaha, mas adiante, o papel. Malditas professoras, fazerem uma criancinha cortar papel com uma tesoura maior que ele, até os dedos ficarem vermelhos e inchados, dobrar e colar papel, picotar papel, gatafunhar papel, rasgar, pintar etc.…

O grande dia é mágico, esse sim, quando vamos fazer o Papel de identidade… aí passamos finalmente a sentirmo-nos como parte da sociedade. Sem esse papelinho basicamente não existimos.

Deixa-te dessas ideias parvas, mas és doido ou quê, se não existisse papel, o que seria de nós, faríamos como os antigos, teríamos de escrever em pedras, já imaginaste, andares com a pasta cheia de pedras? Olha as pedras, isso sim era de valor, escrevias nelas e se te chateasses com alguém ainda lhas atiravas à cabeça, então vê lá que até metem pedras escritas em museus, e param a construção de barragens e grandes obras por causa de pedras escritas.

O Homem apoderou-se do mundo através do papel, olha os europeus quando chegaram à América, fizeram um mapa, umas escrituras, no fundo dividiram a terra entre eles, e os índios como não tinham feito a escritura do terreno, nem sabiam ler, ficaram sem nada. Isto para não falar das mentiras que se escreve no papel. As grandes mentiras da humanidade, tudo documentado em papel, essas teses filosóficas, esses grandes poetas e escritores que não fazem mais nada que não seja repetirem-se e copiarem-se mutuamente, esses jornais, esses romances...olha a bíblia, num dos dez mandamentos Deus disse para não matar, mesmo assim o povo de Israel e do Senhor andava sempre a matar-se. Desgraçado papel que aceita tudo, olha o Alcorão!!! Opa fala mas é baixo, não te metas com os árabes… que eles é que tem o papel…

Um gajo vai parar à cadeia por causa de um papel, pode ser uma grande mentira e falsidade, mas se tiver assinado por ti, e documentado em papel, ‘tás lixado, a mentira passa a ser verdade, daí até ser prova é um ápice e ‘tás encravado.

Olha o meu avô, que ficou pobre, por causa de um papel, filho bastardo, o pai morreu sem deixar Papel, o tal testamento… ficou sem nada… que miséria ou então foi o cupim que o comeu, o papel nem consegue resistir a um bicho que mal se vê ao microscópio.

Então e quando estás cinco horas na fila da segurança social, chega a tua vez, e a menina que te atende com uma cara de quem está grávida de dois meses, e te vê como se de um prato de batatas de cozinha te tratasses, lentamente te pergunta: Então e o senhor trouxe o papelinho preenchido? Não. Então tem de ir para o fim da fila ou então voltar amanhã com o papelinho preenchido, e aí um gajo passa-se, filho da mãe, raios parta o papel.

Olha esta merda de crise, tudo por causa do papel, esse maldito papel, dinheiro, sujo e imundo, até consegue comprar a alma, as acções esses negócios obscuros, essa treta da bolsa… tudo gira à volta do papel; espera aí, estou um pouco constipado, por acaso tens um lenço de papel, para limpar o nariz?

Sabes da melhor, quando morreres vou dedicar-te um poema lamechas como tu, escrito em papel, claro, olá e não me posso esquecer de pedir a certidão de óbito, só com esse papel posso provar que morreste, ainda és dado como desaparecido ou assim… nem deixam um gajo morrer descansado, vai o morto a caminho do paraíso, a pensar, se por algum acaso os filhos não se esqueceram de lhe fazer o passaporte para a paz.

O papel é tão miserável, que depois de ter pensado isto tudo ainda lhe limpei o cú, amarrotei-o, viu-o desaparecer sanita abaixo, e nem um ai se ouviu, nem uma reclamação, nem um queixume, uma revolta, nada, nada, nada, olha o que me parece é que andamos demasiado a pensar no papel, e deixamos que nos façam o mesmo que se faz ao papel higiénico, e no final esquecemo-nos de qual é o nosso verdadeiro papel.

Dário

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