segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Eu me experimento inacabada

Eu me experimento inacabada.
Da obra, o rascunho. Do gesto, o que não termina.
Sou como o rio em processo de vir a ser.
A confluência de outras águas e o encontro com filhos de outras nascentes tornam-me outra. O rio é a mistura de pequenos encontros.
Eu sou feita de águas, muitas águas. Também recebo afluentes e com eles me transformo.
O que sai de mim cada vez que amo? O que em mim acontece quando me deparo com a dor que não é minha, mas que pela força do olhar que me fita vem morar em mim? Eu transformo-me em outros? Vivo para saber!
O que do outro recebo leva tempo para ser decifrado. O que sei é que a vida me afecta com o seu poder de vivência. Empurra-me para reacções inusitadas, tão cheias de sentidos ocultos. Cultivo em mim o acúmulo de muitos mundos.Por vezes o cansaço faz-me querer parar. Sensação de que já vivi mais do que meu coração suporta.
Os encontros são muitos; as pessoas também. As chegadas e partidas misturam-se e confundem o coração, é nesta hora que sigo alimentando sonhos de quotidianos estreitos, previsíveis. Mas quando me vejo na perspectiva de selar o passaporte e cancelar as saídas, eis que me aproximo de uma tristeza infértil. O melhor é continuar na esperança de confluências futuras. Viver para sorver os novos rios que virão.
Eu sou inacabada.
Preciso continuar.
Se me for concedido o direito de pausas repositoras, então anuncio já que continuo na vida.
A trama da minha criatividade depende deste contraste, deste inacabado que há em mim.
Um dia sou multidão; no outro sou solidão.
Não quero ser multidão todos os dias.
Num dia experimento o frescor da amizade; no outro a febre que me faz querer ser só.
Eu sou assim.
Sem culpas.

3 comentários:

  1. Belo post. Obrigada Margarida.
    Beijos e bom ano lectivo.
    RB

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  2. quem conta um conto acrescenta um ponto...já como a os delfins cantavam aquela do sou como um rio... assim somos nós, uns mais próximos da nascente, outros mais perto da foz, outros ficam a meio, naquela parte onde quem vence é a maré, que nos empurra para cima, ou nos puxa para baixo... seremos inacabados?? indecisos?? prefiro ficar a meio e assim viver na incerteza... carimbando o passaporte ora a montante ora a jusante, mas sempre a viajar...
    bjo Margarida.

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  3. Querida Ana Cristina, muito obrigada pelo comentário tão simpático na Casa Claridade.
    Estava a ler este post e a pensar em como ele parece ser o eco dos meus pensamentos. Uau... é mesmo assim que em sinto. Muito grata.
    Beijos

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