quinta-feira, 2 de abril de 2009

Se eu ao menos soubesse o que são as palavras

Se eu ao menos soubesse o que são as palavras,
de que matéria são feitas, o que escondem por dentro,
havia de comê-las, melhor, saboreá-las,
mastigá-las, sem medo de traição ou veneno.
Como quem morde um pastel, tomar-lhe o gosto.
Depois de deglutir, lamber os beiços, dizer:
Estava bom, o sal na conta, a fritura no ponto.

Se eu ao menos soubesse o que são as palavras,
havia de as trazer no bolso do casaco,
embrulhadas em plumas, não fosse magoar
uma sílaba tónica e a tornasse muda,
incapaz, coitadita, de se fazer ouvir,
sem se arrimar a outra bem aberta
como um tátárárí vibrante de corneta.

Se eu soubesse o que são, para que são as palavras,
tomaria a brandura do amor em tempo certo,
a quentura da flor que só pede o deserto,
a vibração contida da asa do condor,
e então, em riso, em soluço, em desatino,
daria à luz palavras, torrentes de palavras,
como quem mata a fome ainda que se mate.

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